1.12.09

Sempre que decido que vou mudar para me tornar uma pessoa melhor, fico com saudades dos meus defeitos.

23.11.09

Quem é que te disse que agora podes sonhar comigo? Quando me fui embora não deixei nem um bilhete com uma palavra amarga. Quando finalmente me fui embora trouxe comigo os meus gestos e o meu riso, as tua memórias de mim. Nada. Que ficasse nada dessa pessoa que sem autorização fez da tua a sua cama. Como é que podes agora, no conforto quente do teu sono, no teu golpe mais baixo, fazer de mim teu?

20.11.09

" ...deixa-me tentar explicar-te... se um vulcão gigantesco estivesse prestes a explodir, e todas as pessoas fossem morrer, eu queria estar a abraçar-te, quando a lava me cobrisse..."

19.11.09

Não. Prefiro ir a pé. Cigarro na boca, cerveja na mão. Canto Chico Buarque pelas ruas de Londres. Ando sozinho e sorrio. Canto bem alto, como bem me apetece e sorrio. Que ansiedade? Que preocupação? Que ego mais chato. Fui abençoado. Caminho com o meu corpo e sorrio com os meus lábios. E amo. Não me preocupo, é simples, é como tem de ser, entrego-me. nem sequer me entrego, acontece, não é que pense que me vou entregar ou escolha. É só porque sim, porque é bom e porque eu gosto tanto. lembro-me que passo os meus dias a duvidar se algum dia vou fazer aquilo que é meu para fazer e sorrio. Canto mais um pouco, só a parte da letra de que me lembro, repito-a, a plenos pulmões, não copmo se houvesse uma plateia, só porque é bom. depois chegoa a casa e escrevo, só porque sim, e sorrio, porque não me interessa se é genial, profundo ou original, é só porque sim. Comove-me. Faz-me rir. Faz os meus sentidos reagir. Descobre a minha alma. Chorar e rir , ao mesmo tempo. Tanto amor, tanta tristeza, tanta separação e tanto amor. Que é que eu posso querer mais? Sinto-me pronto para morrer. Não como nas noites de ansiedade em que quero um bálsamo para os meus medos e sofrimentos. Estou pronto para morrer porque estou completo, pelo menos sinto-me assim, bem, lágrimas e riso, ao mesmo tempo. Amo coisas que desaparecem. Todos os fantasmas chamam o meu carinho, a todos os pesadelos eu abraço.

11.11.09

Acordo desconfortável e desidratado. Dói-me a cabeça, abrir os olhos é um sofrimento atroz. Levanto-me e vou beber água. Não queria acordar, mas teve de ser. Quando estou nú na cozinha a beber água como se fosse a única coisa que me pode salvar da morte eminente, reparo numa preta, num prédio em frente, a olhar para mim. Caguei. Coço os tomates, depois, com a mesma mão, mexo no cabelo. Volto a encher o copo de água uma e outra vez. Pelo canto do olho ainda vejo a preta, do outro lado da rua, a olhar descaradamente para a minha carcaça nua. Visto umas calças que estavam caídas no chão do quarto, dois casacos (um em cima do outro) e saio à rua.
Merda, devia ter trazido os meus óculos de sol. Tento não andar como um corcunda, mas os efeitos da ressaca dão luta, o meu corpo não está preparado para se mexer. Sinto que em mim há várias forças independentes em confronto: Um grande medo de tudo o que vem aí, uma segurança total que só um louco pode ter, uma cascata de carinho. Os estados alterados aumentam a separação entre estes contrastes, e por vezes comporto-me, não como a soma destas partes, mas como uma unica parte de cada vez. Durante a ressaca, estudo o meu monstro másculo insensivel, a minha bola enérgetica gigantesca composta únicamente por amor, o animal assustadiço e repelente.
O medo seria o meu ambiente natural, o meu primeiro instinto, mas de tanto conviver com ele, há um segundo instinto que vem logo a seguir, só milésimos depois, e que se torna tão natural como o primeiro. Este segundo instinto vem desfazer o medo, e às vezes assusta-me por me deixar tão calmo.
Vou à loja dos indianos e compro tabaco de contrabando. Assim que saio da loja enrolo um cigarro e acendo-o. Haaaaa... Fumo como se inspirasse ar puro da montanha... Agora preciso de qualquer coisa para comer. Sigo pela rua.
Pergunto-me o que verão as pessoas em mim quando se cruzam comigo: cigarro na boca, olhos amachucados, casaco comprido amarrotado, cabelo acabadinho de sair da cama. Pergunto-me e não me preocupo.
Acabo de fumar o meu cigarro à porta do centro comercial. Sei que ali vou certamente encontrar algo pré-feito para o meu almoço, qualquer coisa que me alimente e não me chateie. Está um tipo a apanhar lixo do chão e a cantar no parque de estacionamento. Aproximo-me dele para o ouvir melhor, encosto-me à parede e fico ali a fumegar. O céu cinzento, o chão sujo, as pessoas indiferentes, e aquela cantiga ali. "Nice song, man" "Yah" O tipo sorri-me e continua a cantar enquanto vai apanhando as coisas do chão. Sinto-me confortável por estar atrás dos meus olhos.
Vida, essa pequena coisinha caótica e bonita.

5.11.09

E o inverno nasce dentro de mim como um galáxia de tristeza e amor. Os meus olhos amam tudo, choram, secam. Voltam a amar tudo, choram, secam. Até quando. Só até quando.
Vejo tudo a morrer, a definhar, a desfazer-se no nada. E o amor nasce como metal a ferver dentro do meu peito. Desfaz-me. Os meus passos perdem-se.

25.10.09

Eu não me acho especialmente inteligente. A diferença é que bem lá no fundo, quando toda a gente está a tentar cegamente voltar à superfície, eu abro os olhos.

9.10.09

Ansiedade. 06:44

O meu coração bate rápido, ele procura tudo, foge de tudo, rápido, descontrolado, ele bate e bate eu eu estou parado. Só quero dormir, descansar. Tapo a janela com um cobertor para que a luz não entre no meu quarto, a manhã vem aí, docemente, com o seu chilrear de pássaro. Foda-se. Eu não quero ver o sol a nascer hoje, quer dizer, nem faz assim tanto mal. Merda De certeza que há qualquer coisa que eu provoquei, uma acção minha que anda por aí, como um lobo, a arrancar pedaços de carne a pessoas vivas... Se ao menos tu estivesses aqui... Eu encostava-me a ti, ouvia-te a respirar, observava-te a dormir. depois podia levantar-me, fumar cigarros, andar para trás e para a frente, mas ao menos podia sempre parar, encostar a minha cabeça na tua barriga e ouvir o teu coração a bater e os ruídos dos teus órgãos. Oh tu... Como é que foi possivel que eu me deixasse cair assim mais uma vez, que eu me deixasse cair num amor tão grande, como é que eu me deixei ser feliz, tanto, como sou agora, mesmo longe, porque tu me queres. Depois não digas que eu não me avisei. Coisa bonita, quero-te aqui. Mas e se tu visses? Se tu sentisses a rapidez com que o meu coração bate, há horas, há anos, frágil, assustado, independente de mim. Será que ficavas? Não se pode confiar num coração assim, tão desrespeitador do próprio dono. Tão rápido que não é vida, é só um aviso de morte. Cigarros atrás de cigarros, dúvidas atrás de dúvidas. Se a tua mão pousasse no meu peito, será que acalmava? Todos os dias o fim parece mais bonito, a minha redenção. O momento em que todas as carícias perdidas se tornam eternas.

28.9.09

Ouve-se a guitarra de Carlos Paredes e película a correr pela máquina de filmar. O sol laranja e quente inunda o olhar. Eles dão patadas de skate, não sorriem. Olham o mar sériamente e trocam a litrosa entre si, sem nunca deixarem os rolamentos parar. um saca um ollie.
É noite. há um concerto na baía. Camisas de flanela aos quadrados, charros, cabelos compridos oleosos e barbas por fazer. Um gajo em ácido começa a curtir com uma miuda de caracóis loiros e pele morena. No outro lado da plateia está a começar a porrada. Estava quase combinado. De skates em riste eles desferem golpes e protejem-se uns aos outros com ferocidade e honra. Sangue, som seco e bruto de trecos em maxilares, peitos arqueados.
Ela chora, as amigas falam com ela mas ela não ouve nada, só vê as ondas a bater na praia. Ele dá mais um traço de coca e despe as cuecas da nova amiga, sorri, mas sente um travo amargo na garganta.
Nirvana.
Não há sol nem música, não há um gesto de um amigo. Há uma vela acesa dentro de uma lata de atum ferrugenta, colheres e uma seringa caída. Há vestígios de sonho, tão ténues como a beleza adolescente num cadaver ressequido.
Eles beijam-se deitados na areia. O corpo dela é quente, ele sente-a húmida. Ela pega na toalha ainda molhada com a água salgada e esconde as suas cinturas. O sol bate directamente nos olhos dele, os cabelos dela caídos tocam-lhe nos lábios. Ele baixa-lhe as cuecas e entra dentro dela. Eles olham-se directamente. Não existe mundo. Na praia tudo continua como se nada fosse, os putos chapinham e jogam á bola, os amigos deles trocam charros e contam histórias sobre a última festa.
Um tipo entra num autocarro de longo curso. Não sabe se está feliz ou infeliz. Não se consegue sentir totalmente. Por dentro está a transformar-se naquele exacto momento, e todas as hipóteses estão de novo em aberto.
UMA EMPREGADA DE BALCÃO

Ela lavava os pratos e imaginava-se com o vestido curto vermelho. Estava pronta para sair, maquilhada, penteada, perfumada. O vestido assentava nas linhas do seu corpo na perfeição. Ele surgiu por trás dela, afastou-lhe os cabelos da nuca e beijou-lhe o pescoço.
Ela lavava os pratos. A empregada de balcão tinha vinte e três anos, era morena, tinha olhos azuis, e uma fisionomia simétrica e impenetrável. Tinha nascido num país do Leste da Europa e emigrado há um ano para Portugal. Numa das mesas do café estava a dona, uma mulher de 55 anos, gorda e desconfiada, que fumava cigarros um atrás do outro enquanto olhava para a TV com um olho, e contava notas com o outro. Num canto do café, perto da porta da casa de banho, estava um casal: marido e mulher. Estavam ali há meia hora. Chegaram calados, sentaram-se. Ele pediu dois cafés e acendeu um cigarro. Vieram os cafés, ele agradeceu à empregada e olhou-a de alto a baixo enquanto se afastava. Já ia longe o tempo em que a sua mulher tinha um corpo assim, jovem e firme. Olhou a mulher, tinha os olhos encovados e umas olheiras enrugadas, não levantava os olhos da chávena, o cabelo oleoso e fino era raro. Lembrou-se de como era no inicio, desafiadora e orgulhosa, e sentiu um carinho imenso por ela. Perguntou-lhe: - O café está bom? Ela encolheu os ombros. Entrou um rapaz no café. Era novo, teria uns vinte e cinco anos, e afastava o frio que estava lá fora esfregando as mãos uma na outra. Ele dirigiu-se ao balcão e esperou que a empregada reparasse nele. Entretanto observava-a, as unhas pintadas de vermelho, o fio de ouro ao pescoço, os ténis de imitação de marca, as ancas que adivinhava musculadas e ágeis, o peito firme e robusto, o pescoço liso e branco. Era domingo, já estava a anoitecer. Ele ainda estava de ressaca da bebedeira da noite anterior. A visão daquele corpo fez com o seu sangue se movesse, sentiu o sexo a mexer-se lentamente como que a prepara-se para uma erecção. Ela virou-se para ele, e ele apresentou-lhe um sorriso simpático e quente. Ela olhou-o de frente, indiferente, e não sorriu. Ele pediu tabaco, pagou, e dirigiu-se para a porta do café. Antes de abrir a porta procurou a empregada com o olhar, na esperança de um encontro que lhe desse a confiança de ter deixado a semente da sedução na empregada de olhos azuis. Ela estava de costas, a tirar cafés.

22.9.09

Basta eu deixar... e desfaço-me em lágrimas. Dentro de mim há uma corrente constante de tristeza e de ternura, que só não me afoga, porque todos os dias, quando acordo, me escondo atrás das lentes dos meus óculos escuros. Tristeza e ternura por mim, por todas as pessoas, por toda a beleza, pela trágedia constantemente repetida de existir e sonhar.

Cada nova amizade, cada sorriso, cada toque amoroso, são o anúncio de uma separação total e irremediável, cada momento que já passou é alguém que eu amei com tudo o que tenho e em quem sei que nunca mais voltarei a poder tocar

19.7.09

Dormir no chão e fornicar de pé

14.6.09

Com certeza nada se passou de especial. Ou sim. De certeza que alguém reparou num olhar meu, num passo em falso. Se calhar eu uso máscaras, deixei-as caír, e alguém me viu a tentar apanhá-las do chão.

8.6.09

Quero amar todas as mulheres ao mesmo tempo e cada uma para sempre.

2.6.09

"-Fica acordada à minha espera... Eu nunca mais vou dormir, e tu sabes... quando os bares fecharem, os meus amigos se cansarem, e o mundo se for deitar para trabalhar de manhã, aí, eu só me vou lembrar de ti. Podia ser quase um insulto eu só me lembrar de ti no vazio, mas não, é amor."

29.5.09

Embriaguez. O Alter Ego escreve poesia e nunca mostra a ninguém. Porque será? Porque simplesmente não está preocupado, ou porque tem medo que a sua poesia não seja nada de especial? Gostava de me expor todo, todinho, aliviar cada poro, expôr-me até ser impossivel alguém distanciar-se de mim, expôr-me até provar que somos todos o mesmo, que totalmente expostos, abertos, somos todos iguais, simples, indescritiveis por palavras, compostos por uma estranha matéria, matéria estranha essa, que um dia obrigou um homem a inventar a música, só por ânsia de exprimi-la. Confuso, héin? Está bem. Paga-me um copo.
Não há nada mais fantástico no mundo do que música. O cinema é giro, mas são imagens, se não são pessoas são paisagens, se não são paisagens são bonecos, e por mais surreal ou fantástico que seja, é sempre tudo demasiado parecido com o nosso mundo: Formas, profundidade, movimento. O ser humano podia ser o ser mais inútil de todos os seres, se não tivesse inventado a coisa inútil que é a música. Não existe absolutamente mais nada assim, especialmente se não houver poemas e letras. É só chegar e entrar, sem perguntas, sem respostas, sem morais. Sensação. É por isso que eu gosto de ter os sentidos comovidos, é por isso que eu quero AMAR as mulheres, porque o que eu amo acima de tudo é a música. ~Para mim a música é a sensação indízivel que tenho quando sinto as tuas costas a dilatar contra o meu peito enquanto respiras, para mim música é conduzir calado contigo ao meu lado, para mim música é ter vontade de sorrir, só por te ver a dormir. Música é eu sentir que o meu corpo está vivo, que dentro dele o sangue se mexe sózinho dentro das minhas veias, que os meus músculos se mexem, que as minhas entranhas trabalham para atingir o objectivo de manter vivo o ser que não tem objectivo - Moi! Música é estar sentado no comboio, é ver uma mulher a procurar qualquer coisa na carteira e a corar de vergonha "Estava memo aqui."
Música é estar a ver as pessoas a fazer exercicio no paredão em frente à praia, enquanto se troca um charro entre amigos (e isto é clássico). Por isso é que há certos filmes que são tão bons. Porque deixaram de ser só uma história, ou só imagens e sons encadeados com estilo, porque pelo menos em certos momentos foram música, juntaram as coisas todas que compõem uma merda de uma imagem em duas dimensões em movimento e criaram uma emersão na sensação. O tipo que está a ver não está excitado com qualquer truque do filme, está a ter uma sensação em movimento.
O Alter Ego falou, está dito.
Talvez amanhã diga o contrário.
MORRER
Se não em casa, pelo menos a caminho.

28.5.09

Adoro o ruído das cidades quentes, os putos a jogar à bola, um bebé a chorar, uma mulher de voz esganiçada que grita, as garaglhadas abertas de dois homens, o chiar de uma bicicleta velha que passa, as moscas a rodopiar por cima dos caixotes do lixo cheios.
Respira, volta ao inicio. E que não faça sentido.
Um título:
SONS DA MINHA JANELA DE VERÃO - Um documentário Alter Ego
A minha janela dá para uma praceta, uma praceta com uns quantos pinheiros e rodeada de prédios. Da minha janela ouve-se o mar. As ondas a bater na praia uma atrás da outra e a molhar os pés na areia, um casal que passeia um bebé. Mais atrás três amigos sentados num banco, fumam e riem. Passa um comboio. Leva centenas de pessoas lá dentro. Um tipo vestido de fato tira os olhos da janela e verifica as horas no relógio de pulso. Outro, ainda com o sal da praia a roçar na pele e na camisa, deixa os olhos pesados seguir a linha morena das pernas de uma rapariga. Uma brisa quente abana as folhas das árvores perto da estação, A mulher do café acaba de varrer a esplanada, entra devagar e chocalha os pratos a lavar a loiça. Na Marginal os carros passam rápido, um apita. Ao longe, uma ambulância serpenteia entre o trânsito. Há obras, buldozers, numa mercearia uma velhota queixa-se do preço das coisas. Dois putos picam-se a descerde bicicleta uma avenida. Atrás de um portão um cão não gosta do que cheira e ladra. Outro, noutra rua, ouve-o e começa também a ladrar.
Uma criança de quatros anos grita enquanto corre a gargalhar atras de um cão. Vêm mais miudos e correm todos atrás do cão. Outro miudo surge com uma bola, chuta, começa o jogo. A avó de um dos putos passa e grita-lhes para fazerem menos barulho. O miúdo mais alto chuta a bola que bate num portão. Passa um carro. Por cima do portão está a minha janela.

21.5.09

06.38 da manhã - Marginal
Música, movimento e sensação. Sou tão feliz a conduzir este carro a ver o sol nascer pelo retrovisor e a ouvir o som aleatório do auto-rádio como serei em qualquer auge da minha vida. O Alter Ego está bêbado, desconfia até que lhe puseram qualquer coisa na bebida, mas não está preocupado. Está a ver o dia a nascer, as estradas a correr e a música em altos berros inunda-lhe o corpo. Tem as duas janelas totalmente abertas e segue pela auto-estrada a 180 km/h. Em certos momentos a música sabe-lhe tão bem que ele não resiste a deixar o corpo dançar.
Eu nunca tiro os óculos de sol mas as pessoas vêm-me transparente. Eu estou naquele sítio, áquela hora, há um tumulto fora do meu corpo, as pessoas correm, riem-se, gritam, mas aqui dentro tudo acontece com uma calma de buraco negro. Eu cruzo o meu olhar com o de um assassino violador, observo-o: Forte, másculo, triste, fraco e com o orgulho ferido. É igual a mim, é igual a todos os homens, e nalgum instante apaixonou-se pela maneira como uma rapariga se mexia e falava. Perdoo-o tanto quanto posso perdoar alguém: olhando-o nos olhos. Sigo.
É sempre mais facil conviver com os outros se na tua cabeça lhes limitares as possibilidades: Este só percebe de x, aquele só quer é festa, o outro está-se a cagar, aquele ali tem a mania que é poeta. Pegas nas pessoas e arruma-las em prateleiras deixando sempre um espaço livre para a tua. Fechas pessoas vivas em mini-mitos. E antes que te apercebas não estás a ouvir ninguém, não estás a perceber ninguém, só estás atento para aqueles instantes em que as pessoas se comportam como devem na prateleira que lhes deste.
Um dia eu pensei que devia entregar o meu corpo e a minha alma à pura experiência do mundo. Mas ainda não era a altura, havia demasiados pensamentos, e esses pensamentos estavam desfasados da velocidade real dos acontecimentos. eu tinha medo e debatia-me.
Um dia acordei e estava calmo.

29.4.09

É fantástico ter corpo, ter pele. Sinto-me e observo-me. Do sitio onde estão os meus pensamentos e a minha dor, olho o meu corpo com carinho pelo calor fugaz da sua natureza. Vejo à distância como é frágil e sedento. Perdoo-o e amo-o e compreendo-o silenciosamente como o faria alguém que sabe que não vai morrer, e olha com serena e eterna nostalgia o vai-e-vem de um mundo em que não pode tocar.

25.4.09

Ele amava-a. Nos seus diálogos interiores já tinha tido a coragem de utilizar a palavra amor em relação a ela. Era um segredo só dele, que saboreava em cada segundo em que podia ficar só a olhá-la, só a ouvi-la, só a sentir a presença dela ao seu lado. Eram secretamente os seus momentos preferidos: quando não fazia parte da conversa, quando ninguém estava a olhar para ele. Aí ele podia fazer uma pausa da sua própria vida, podia descansar de ser o ele de sempre e viajar um bocado só a observar, a ver, a vê-la.
Ela queria estar ao pé dele, da força dele. Sentia-se viva ao pé daquela velocidade. Queria sentir-se pequena e não compreender a grandeza a abraçava, a grandeza que a tinha sempre entertida. Ela via-o falar com os amigos, sempre seguro, sempre com uma resposta pronta. Ela via-o a conduzir a velocidades alucinantes e a rir relaxado. Via-o sempre desperto, sempre com os pés na terra, sempre atento. Ela sentia "coisas" de cada vez que ele se levantava empolgado e falava alto para as pessoas à sua volta, de cada vez que ele metia conversa com estranhos e os seduzia em dois instantes. Ela sentia-se segura quando via que os homens e as mulheres à sua volta o admiravam, quando ficavam surpreendidos com as suas palavras.
Nunca tinham estado sós. Desta vez, como por acaso, acabaram juntos. Caminhavam em silêncio, lado a lado. Ele estava maravilhado, num êxtase silencioso. Aproveitava toda aquela ausência de ruídos e conversas para ouvir todos os sons dela, a respiração, o ritmo dos passos. E olhava-a. Olhava-a e absorvia todas as maravilhas, todos os defeitos e todas as normalidades daquela pessoa.
Ela caminhava ao seu lado. Ele já ia calado há algum tempo e ela não sabia bem o que dizer. Talvez ele fosse fraco, afinal. Agora que estavam só os dois ele devia arrebatá-la, fazê-la rir. Mas não, ele caminhava ao seu lado silencioso. Ela nem o sentia, de tão silencioso que ia. Agora que estavam só os dois ele estava calado, como um tipo qualquer. Não havia força nem velocidade, só uma estranha sensação de calma. Estava aborrecida.

16.4.09

Vou-vos falar sobre a loucura emocional. Eu gosto de pensar que não a tenho porque sou livre, porque estou sempre desperto e consciente da razão porque razão faço as coisas. Mesmo quando estou inconsciente tenho a sensação que há uma verdade inevitável que sai dos meus actos. Também gosto de pensar que não caio na loucura emocional porque me esforço sempre por ver as coisas tão simples como elas são, e se num instante eu transformo qualquer pessoa que encontro num mito, nesse mesmo instante eu analiso-a com o olhar mais frio.
A loucura emocional nasceu quando o primeiro homem guardou a imagem da primeira mulher na memória. Depois alastrou-se com histórias, canções, poemas. Agora sofremos todos porque imaginámos coisas. Imaginámo-las e queremos que o nosso mundo seja assim. A loucura emocional sofre porque está só, pela teia de impossibilades de lar da alma que vai tecendo. A loucura emocional é o estado de quem quer sempre tudo, sem nunca deixar de amar aquilo de que abdica. Sendo assim eu seria o melhor exemplo de um louco emocional. Mas eu gosto de pensar que vejo as coisas claramente, gosto de pensar que por aceitar o meu sofrimento e as minhas perdas como naturais, não dou espaço para a criação de nenhum bolor na alma.
Há dias em que acordo e quase sinto pena da minha pequena pessoa por estar sozinha. Ponho-me ao volante e guio ate alcançar uma cara familiar, um sorriso quente, o conforto de uma expressão facial que já sei de antemão que vai acontecer em x momento. E esse meu gesto de pegar no carro e procurar um amigo ou um antigo amor é o reflexo dessa primeira memória que o primeiro homem guardou da primeira mulher. A verdade é que eu sou um louco emocional, sou o pior louco emocional. Já tive o lar na minha mão, mas rejeitei-o repetidamente para procurar um lar, (se a frase é confusa é porque os próprios actos também o são). E sei que toda a minha frustração é consequência de todas as minhas fugas. Mas eu acredito no fim como inevitavel, pelo menos tanto como quero acreditar que estou prestes a encontrar algo que não acaba. Já me disseram muitas vezes que o Alter Ego fala pouco, e que quando escreve, só escreve sobre si próprio. Eu acho que sim e acho que não. Não sei bem porque quis escrever sobre a loucura emocional. ninguém se tornará mais lúcido por isso, nem vou aliviar a vida pesada de ninguém, só fico, eu próprio, mais consciente deste indefinido eterno em que estou condenado a passar os meus dias, que me vai fazer ter sempre a esperança de encontrar a eterna tarde do sol quente, já a saber que ela é impossivel.

15.4.09

Poder-se-ia dizer que eu estava sóbrio. Na verdade eu era aquele gajo que bebia uma cerveja calmamente, com uma mão no bolso, e só um pé a abanar ao ritmo da música. Eu era esse tipo e observava-me a dançar no meio do bar quase vazio. a dançar e a desequilibrar-me e a dar encontrões a estranhos. Esse gajo que dançava trazia a morte nas suas costas, e dançava como se comemorasse o grande vazio, como se cada passo torpe da sua dança fosse ao mesmo tempo um hino e um desafio ao abismo. Lá dentro dele acontecia tudo isso, dentro desse tipo estavam a haver juras eternas de amor, lágrimas, separações, mortes de amigos, viagens, nascimentos de filhos, traições, dias calmos... Aquele tipo queria fugir da vida e queria toda vida. Estava todo fodido, sorria e metia-se com as mulheres do outros, os seguranças do bar olhavam-no de lado. Uma miuda aproximou-se dele.
Ela tinha-o reconhecido. Já tinha estado com ele uma vez, na praia, quando ocasionalmente dois grupos de amigos se cruzaram. Ele era calmo e até um pouco calado, levava um livro na mão e mostrou-lhe um sorriso meio fascinado quando foram apresentados. Na altura ela estava com um namorado, um namorado grande e forte que a abraçava ternamente com os braços fortes, e que nunca deixava que o tempo se tornasse morto.
O tipo que dançava reparou na miuda e lembrou-se que já a tinha visto uma vez, e de ter pensado que ela daria um paraiso no campo e um pesadelo na cidade.
Ele enlaçou a miuda e continuou a dançar. Ela riu-se, pensou que ele era louco, e olhou à volta para ver a que tipo de vergonha se poderia estar a arriscar. Depois, ela achou que tudo isto era giro, sentiu um pouco de pre-nostalgia por qualquer coisa, gostou disso e fechou os olhos. Lembrou-se da sensação dos braços fortes daquele namorado grande e forte e dançou com isso.
Ele pensou: Porque não? Agarrou-a prendeu-a ao peito. Lembrou-se da morte do amigo e esqueceu-se que estava a dançar com ela. De repente sentiu-a de novo e quis tê-la, comê-la, queria vê-la a suar. Beijou-a, olhou para ela e pensou que não tinham nadinha em comum. No entanto a curiosidade, que pequenas diferenças, que irritações, que intensidade? Como é que tu te mexes?
Rodopiou-a. Dançava com aquela miuda naquele bar.
Mais uma vez, a ressaca. Não me dói a cabeça, não estou mal disposto nem com vontade de vomitar. O que se passa é que sinto um desassossego tremendo, como se tivesse perdido durante a noite uma coisa gigantescamente importante, e que nunca mais vou recuperar. E o pior é que não me consigo lembrar de que coisa é essa.