29.5.09

Embriaguez. O Alter Ego escreve poesia e nunca mostra a ninguém. Porque será? Porque simplesmente não está preocupado, ou porque tem medo que a sua poesia não seja nada de especial? Gostava de me expor todo, todinho, aliviar cada poro, expôr-me até ser impossivel alguém distanciar-se de mim, expôr-me até provar que somos todos o mesmo, que totalmente expostos, abertos, somos todos iguais, simples, indescritiveis por palavras, compostos por uma estranha matéria, matéria estranha essa, que um dia obrigou um homem a inventar a música, só por ânsia de exprimi-la. Confuso, héin? Está bem. Paga-me um copo.
Não há nada mais fantástico no mundo do que música. O cinema é giro, mas são imagens, se não são pessoas são paisagens, se não são paisagens são bonecos, e por mais surreal ou fantástico que seja, é sempre tudo demasiado parecido com o nosso mundo: Formas, profundidade, movimento. O ser humano podia ser o ser mais inútil de todos os seres, se não tivesse inventado a coisa inútil que é a música. Não existe absolutamente mais nada assim, especialmente se não houver poemas e letras. É só chegar e entrar, sem perguntas, sem respostas, sem morais. Sensação. É por isso que eu gosto de ter os sentidos comovidos, é por isso que eu quero AMAR as mulheres, porque o que eu amo acima de tudo é a música. ~Para mim a música é a sensação indízivel que tenho quando sinto as tuas costas a dilatar contra o meu peito enquanto respiras, para mim música é conduzir calado contigo ao meu lado, para mim música é ter vontade de sorrir, só por te ver a dormir. Música é eu sentir que o meu corpo está vivo, que dentro dele o sangue se mexe sózinho dentro das minhas veias, que os meus músculos se mexem, que as minhas entranhas trabalham para atingir o objectivo de manter vivo o ser que não tem objectivo - Moi! Música é estar sentado no comboio, é ver uma mulher a procurar qualquer coisa na carteira e a corar de vergonha "Estava memo aqui."
Música é estar a ver as pessoas a fazer exercicio no paredão em frente à praia, enquanto se troca um charro entre amigos (e isto é clássico). Por isso é que há certos filmes que são tão bons. Porque deixaram de ser só uma história, ou só imagens e sons encadeados com estilo, porque pelo menos em certos momentos foram música, juntaram as coisas todas que compõem uma merda de uma imagem em duas dimensões em movimento e criaram uma emersão na sensação. O tipo que está a ver não está excitado com qualquer truque do filme, está a ter uma sensação em movimento.
O Alter Ego falou, está dito.
Talvez amanhã diga o contrário.
MORRER
Se não em casa, pelo menos a caminho.

28.5.09

Adoro o ruído das cidades quentes, os putos a jogar à bola, um bebé a chorar, uma mulher de voz esganiçada que grita, as garaglhadas abertas de dois homens, o chiar de uma bicicleta velha que passa, as moscas a rodopiar por cima dos caixotes do lixo cheios.
Respira, volta ao inicio. E que não faça sentido.
Um título:
SONS DA MINHA JANELA DE VERÃO - Um documentário Alter Ego
A minha janela dá para uma praceta, uma praceta com uns quantos pinheiros e rodeada de prédios. Da minha janela ouve-se o mar. As ondas a bater na praia uma atrás da outra e a molhar os pés na areia, um casal que passeia um bebé. Mais atrás três amigos sentados num banco, fumam e riem. Passa um comboio. Leva centenas de pessoas lá dentro. Um tipo vestido de fato tira os olhos da janela e verifica as horas no relógio de pulso. Outro, ainda com o sal da praia a roçar na pele e na camisa, deixa os olhos pesados seguir a linha morena das pernas de uma rapariga. Uma brisa quente abana as folhas das árvores perto da estação, A mulher do café acaba de varrer a esplanada, entra devagar e chocalha os pratos a lavar a loiça. Na Marginal os carros passam rápido, um apita. Ao longe, uma ambulância serpenteia entre o trânsito. Há obras, buldozers, numa mercearia uma velhota queixa-se do preço das coisas. Dois putos picam-se a descerde bicicleta uma avenida. Atrás de um portão um cão não gosta do que cheira e ladra. Outro, noutra rua, ouve-o e começa também a ladrar.
Uma criança de quatros anos grita enquanto corre a gargalhar atras de um cão. Vêm mais miudos e correm todos atrás do cão. Outro miudo surge com uma bola, chuta, começa o jogo. A avó de um dos putos passa e grita-lhes para fazerem menos barulho. O miúdo mais alto chuta a bola que bate num portão. Passa um carro. Por cima do portão está a minha janela.

21.5.09

06.38 da manhã - Marginal
Música, movimento e sensação. Sou tão feliz a conduzir este carro a ver o sol nascer pelo retrovisor e a ouvir o som aleatório do auto-rádio como serei em qualquer auge da minha vida. O Alter Ego está bêbado, desconfia até que lhe puseram qualquer coisa na bebida, mas não está preocupado. Está a ver o dia a nascer, as estradas a correr e a música em altos berros inunda-lhe o corpo. Tem as duas janelas totalmente abertas e segue pela auto-estrada a 180 km/h. Em certos momentos a música sabe-lhe tão bem que ele não resiste a deixar o corpo dançar.
Eu nunca tiro os óculos de sol mas as pessoas vêm-me transparente. Eu estou naquele sítio, áquela hora, há um tumulto fora do meu corpo, as pessoas correm, riem-se, gritam, mas aqui dentro tudo acontece com uma calma de buraco negro. Eu cruzo o meu olhar com o de um assassino violador, observo-o: Forte, másculo, triste, fraco e com o orgulho ferido. É igual a mim, é igual a todos os homens, e nalgum instante apaixonou-se pela maneira como uma rapariga se mexia e falava. Perdoo-o tanto quanto posso perdoar alguém: olhando-o nos olhos. Sigo.
É sempre mais facil conviver com os outros se na tua cabeça lhes limitares as possibilidades: Este só percebe de x, aquele só quer é festa, o outro está-se a cagar, aquele ali tem a mania que é poeta. Pegas nas pessoas e arruma-las em prateleiras deixando sempre um espaço livre para a tua. Fechas pessoas vivas em mini-mitos. E antes que te apercebas não estás a ouvir ninguém, não estás a perceber ninguém, só estás atento para aqueles instantes em que as pessoas se comportam como devem na prateleira que lhes deste.
Um dia eu pensei que devia entregar o meu corpo e a minha alma à pura experiência do mundo. Mas ainda não era a altura, havia demasiados pensamentos, e esses pensamentos estavam desfasados da velocidade real dos acontecimentos. eu tinha medo e debatia-me.
Um dia acordei e estava calmo.