13.12.10

HIROSHIMA NO CAIS DO SODRÉ

Cascais. Marginal. Cais do Sodré.

"No instante em que pousou as mãos no volante soube que aquela era a máquina que o iria acompanhar na morte. Qual pássaro metálico a rasgar o céu da noite."

O grito do metal a desfazer-se em ácido.
Passos na calçada molhada, espelho de néons
Sacos de lixo empilhados e ratos.

Yes, we've decided to kill it. A long time ago.

Risos de miúdas. Giras, frescas
Promessas de manhãs leves polvilhadas com pequenas nuvens.
Putas velhas, mais desejosas do que as novas.

Alô Mundo, daqui pessoa X, fechada num crâneo,
Corpo bêbado a dançar no Cais do Sodré.

Vamos fazer tudo
Inventamos uma desculpa amanhã
Mais um copo e eu estou pronto para dançar!
Juro!

Aquele senhor tem um bigode
Aquela menina tem collants
Aquela senhora tem um anão enfiado na cona

não me interessa se sou o caco mais triste da redondezas
o meu peito está cheio de qualquer coisa
Sou espectacular a cada passo
Tudo brilha, até a espera brilha
Reparem.

Curte, olha eu a lambuzar-me nos teus sonhos,
a destruí-los, a espezinhá-los,
a torturá-los para me entreter

É hoje ou nunca
Que alguém nos salve de sermos nós próprios
Foda-se, onde é que tu me trouxeste?
Que malformação mental é que estas pessoas têm em comum?

Gajo de casaco de cabedal, bigode e óculos de massa à antiga
Mostra-me o teu reino
Leva-me a essa festa privada
A essa varanda limpa e perfeitamente decorada.
Mais um copo partido,
mais um acto falhado,
e a satisfação de o fazer como se não houvesse amanhã

Evitar o espelho retrovisor
O demónio está sempre lá, a olhar-me
bem atrás do meu olho direito

Dreams, purity and love
Who the fuck gives a dam'

Pressinto o enjoo de amnhã
e bebo mais, rapidamente
antes que venha já hoje.

8.12.10

It's a strange one, this life of ours.
Ondas de som fazem música, olhos e sangue fazem espaço aberto colorido.
Noite, Cabo da Roca. O ruído do mar contra a falésia é ensurdecedor. A luz do farol rasga a escuridão do céu e o silêncio da terra.
Beijos debaixo de um capuz fustigado pelo vento. Ao longe, uma tempestade de trovões. O coração dela bate mais rápido, com o medo. Cada linha de electricidade de um relâmpago é como se eu lhe passasse a mão entre as pernas. Aperta as pernas e contorce o peito. Ri-se nervosa quase inconsciente do medo e do desejo que a assaltam.
-Não tens medo?
Demorei um pouco a responder.
-Não, agora não.

7.12.10

No instante em que pousou as mãos no volante soube que aquela era a máquina que o iria acompanhar na morte. Qual pássaro metálico a rasgar o céu da noite.
One day we'll meet again. À volta de uma mesa improvisada num quintal polvilhado de sol e sombra. Vinho e azeite sobre a mesa. Ameijoas e pão alentejano. Um dia que dura para sempre. Trocamos charros e bebemos e comemos até termos de fumar para podermos beber e comer mais. A tarde vai cair, o sol vai-se pôr, e os cães dos vizinhos vão ladrar ao ouvir as nossas gargalhadas. À noite o sol emana dos nossos olhos satisfeitos e carinhosos. Eu vou insultar as vossas mães e vocês vão tentar insultar a minha (sem efeito, claro). Alguém liga um rádio velho e ouvimos passar o trem das onze. Cantamos e dançamos e trocamos de pares. Bebemos e fumamos mais. Cheio de amor, eu vou estar quase a chorar e vou-me conter. Em vez disso vou rir, um pouco tímido. Levantar os olhos e ver esse espectáculo fenomenal que são os meus amigos à conversa. Vou percorrer os meus olhos calmamente por cada um e guardar uma fotografia no meu peito. Alguém vai dar, sem querer, uma cotovelada num copo e ele vai-se partir no chão, depois vamos partir mais uns, bebê-los de shot e atirá-los para trás das costas. Os meus olhos vão ficar pesados, os meus músculos cansados. Vou fazer a minha cama no burburinho das vossas palavras e adormecer em casa.

6.12.10

- A 2ª Despedida de Maria -

Nebolusidade, 100%. Tudo como sempre. Talvez uma vibração mais eléctrica quando os olhares se cruzam... mas pouco mais.
Lenta, mas implacávelmente, o grande nó apodera-se do meu peito. Metal fundido, lava, preenchem todo o meu interior. Um último beijinho, um abraço, e uma última troca de olhares. Ela afasta-se com os seus passinhos silenciosos, tão feia quanto a beleza pode ser. Sai de campo.
Enquanto calço as luvas surgem lágrimas. Naaa. Sim, lágrimas. Monto-me na mota. Não pega. Sorrio. Puxo-a até ao cimo da rua e tento pegá-la de empurrão. Tento a primeira, a segunda, a terceira e... Ah! Ruído!
Neste momento, só uma coisa podia ser feita. A estrada do Guincho. A fundo.
Mar revolto, chuva, vento. A rebentação contra as rochas cria monstros, deuses, gente.
Lágrimas de velocidade, ultrapassagens.
Cascais. Deixo a mota e compro uma cerveja. Sigo até à praia debaixo do toque indiferente da chuva. Fumo e bebo a minha cerveja até ao último pedaço de espuma.
Aparecem três miúdas de bicicleta (treze, catorze anos) e param ao meu lado. Riem-se e apontam para as vagas que reconstroem a praia. Uma aproxima-se e pede-me lume.
Meio envergonhada, luta com o vento para tentar manter acesa a pequena chama do isqueiro só até incendiar a ponta do cigarro.
As gaivotas, às dezenas, planam sobre nós. Ao fundo, a linha indefinida do horizonte.