28.9.09

Ouve-se a guitarra de Carlos Paredes e película a correr pela máquina de filmar. O sol laranja e quente inunda o olhar. Eles dão patadas de skate, não sorriem. Olham o mar sériamente e trocam a litrosa entre si, sem nunca deixarem os rolamentos parar. um saca um ollie.
É noite. há um concerto na baía. Camisas de flanela aos quadrados, charros, cabelos compridos oleosos e barbas por fazer. Um gajo em ácido começa a curtir com uma miuda de caracóis loiros e pele morena. No outro lado da plateia está a começar a porrada. Estava quase combinado. De skates em riste eles desferem golpes e protejem-se uns aos outros com ferocidade e honra. Sangue, som seco e bruto de trecos em maxilares, peitos arqueados.
Ela chora, as amigas falam com ela mas ela não ouve nada, só vê as ondas a bater na praia. Ele dá mais um traço de coca e despe as cuecas da nova amiga, sorri, mas sente um travo amargo na garganta.
Nirvana.
Não há sol nem música, não há um gesto de um amigo. Há uma vela acesa dentro de uma lata de atum ferrugenta, colheres e uma seringa caída. Há vestígios de sonho, tão ténues como a beleza adolescente num cadaver ressequido.
Eles beijam-se deitados na areia. O corpo dela é quente, ele sente-a húmida. Ela pega na toalha ainda molhada com a água salgada e esconde as suas cinturas. O sol bate directamente nos olhos dele, os cabelos dela caídos tocam-lhe nos lábios. Ele baixa-lhe as cuecas e entra dentro dela. Eles olham-se directamente. Não existe mundo. Na praia tudo continua como se nada fosse, os putos chapinham e jogam á bola, os amigos deles trocam charros e contam histórias sobre a última festa.
Um tipo entra num autocarro de longo curso. Não sabe se está feliz ou infeliz. Não se consegue sentir totalmente. Por dentro está a transformar-se naquele exacto momento, e todas as hipóteses estão de novo em aberto.
UMA EMPREGADA DE BALCÃO

Ela lavava os pratos e imaginava-se com o vestido curto vermelho. Estava pronta para sair, maquilhada, penteada, perfumada. O vestido assentava nas linhas do seu corpo na perfeição. Ele surgiu por trás dela, afastou-lhe os cabelos da nuca e beijou-lhe o pescoço.
Ela lavava os pratos. A empregada de balcão tinha vinte e três anos, era morena, tinha olhos azuis, e uma fisionomia simétrica e impenetrável. Tinha nascido num país do Leste da Europa e emigrado há um ano para Portugal. Numa das mesas do café estava a dona, uma mulher de 55 anos, gorda e desconfiada, que fumava cigarros um atrás do outro enquanto olhava para a TV com um olho, e contava notas com o outro. Num canto do café, perto da porta da casa de banho, estava um casal: marido e mulher. Estavam ali há meia hora. Chegaram calados, sentaram-se. Ele pediu dois cafés e acendeu um cigarro. Vieram os cafés, ele agradeceu à empregada e olhou-a de alto a baixo enquanto se afastava. Já ia longe o tempo em que a sua mulher tinha um corpo assim, jovem e firme. Olhou a mulher, tinha os olhos encovados e umas olheiras enrugadas, não levantava os olhos da chávena, o cabelo oleoso e fino era raro. Lembrou-se de como era no inicio, desafiadora e orgulhosa, e sentiu um carinho imenso por ela. Perguntou-lhe: - O café está bom? Ela encolheu os ombros. Entrou um rapaz no café. Era novo, teria uns vinte e cinco anos, e afastava o frio que estava lá fora esfregando as mãos uma na outra. Ele dirigiu-se ao balcão e esperou que a empregada reparasse nele. Entretanto observava-a, as unhas pintadas de vermelho, o fio de ouro ao pescoço, os ténis de imitação de marca, as ancas que adivinhava musculadas e ágeis, o peito firme e robusto, o pescoço liso e branco. Era domingo, já estava a anoitecer. Ele ainda estava de ressaca da bebedeira da noite anterior. A visão daquele corpo fez com o seu sangue se movesse, sentiu o sexo a mexer-se lentamente como que a prepara-se para uma erecção. Ela virou-se para ele, e ele apresentou-lhe um sorriso simpático e quente. Ela olhou-o de frente, indiferente, e não sorriu. Ele pediu tabaco, pagou, e dirigiu-se para a porta do café. Antes de abrir a porta procurou a empregada com o olhar, na esperança de um encontro que lhe desse a confiança de ter deixado a semente da sedução na empregada de olhos azuis. Ela estava de costas, a tirar cafés.

22.9.09

Basta eu deixar... e desfaço-me em lágrimas. Dentro de mim há uma corrente constante de tristeza e de ternura, que só não me afoga, porque todos os dias, quando acordo, me escondo atrás das lentes dos meus óculos escuros. Tristeza e ternura por mim, por todas as pessoas, por toda a beleza, pela trágedia constantemente repetida de existir e sonhar.

Cada nova amizade, cada sorriso, cada toque amoroso, são o anúncio de uma separação total e irremediável, cada momento que já passou é alguém que eu amei com tudo o que tenho e em quem sei que nunca mais voltarei a poder tocar