11.11.09

Acordo desconfortável e desidratado. Dói-me a cabeça, abrir os olhos é um sofrimento atroz. Levanto-me e vou beber água. Não queria acordar, mas teve de ser. Quando estou nú na cozinha a beber água como se fosse a única coisa que me pode salvar da morte eminente, reparo numa preta, num prédio em frente, a olhar para mim. Caguei. Coço os tomates, depois, com a mesma mão, mexo no cabelo. Volto a encher o copo de água uma e outra vez. Pelo canto do olho ainda vejo a preta, do outro lado da rua, a olhar descaradamente para a minha carcaça nua. Visto umas calças que estavam caídas no chão do quarto, dois casacos (um em cima do outro) e saio à rua.
Merda, devia ter trazido os meus óculos de sol. Tento não andar como um corcunda, mas os efeitos da ressaca dão luta, o meu corpo não está preparado para se mexer. Sinto que em mim há várias forças independentes em confronto: Um grande medo de tudo o que vem aí, uma segurança total que só um louco pode ter, uma cascata de carinho. Os estados alterados aumentam a separação entre estes contrastes, e por vezes comporto-me, não como a soma destas partes, mas como uma unica parte de cada vez. Durante a ressaca, estudo o meu monstro másculo insensivel, a minha bola enérgetica gigantesca composta únicamente por amor, o animal assustadiço e repelente.
O medo seria o meu ambiente natural, o meu primeiro instinto, mas de tanto conviver com ele, há um segundo instinto que vem logo a seguir, só milésimos depois, e que se torna tão natural como o primeiro. Este segundo instinto vem desfazer o medo, e às vezes assusta-me por me deixar tão calmo.
Vou à loja dos indianos e compro tabaco de contrabando. Assim que saio da loja enrolo um cigarro e acendo-o. Haaaaa... Fumo como se inspirasse ar puro da montanha... Agora preciso de qualquer coisa para comer. Sigo pela rua.
Pergunto-me o que verão as pessoas em mim quando se cruzam comigo: cigarro na boca, olhos amachucados, casaco comprido amarrotado, cabelo acabadinho de sair da cama. Pergunto-me e não me preocupo.
Acabo de fumar o meu cigarro à porta do centro comercial. Sei que ali vou certamente encontrar algo pré-feito para o meu almoço, qualquer coisa que me alimente e não me chateie. Está um tipo a apanhar lixo do chão e a cantar no parque de estacionamento. Aproximo-me dele para o ouvir melhor, encosto-me à parede e fico ali a fumegar. O céu cinzento, o chão sujo, as pessoas indiferentes, e aquela cantiga ali. "Nice song, man" "Yah" O tipo sorri-me e continua a cantar enquanto vai apanhando as coisas do chão. Sinto-me confortável por estar atrás dos meus olhos.

1 comentário:

She disse...

Se isto é do teu alter-ego, para mim, é o Meu ego. (com excepção ali da parte da nudez e carícia matinal).
São dias como esse que me fazem realinhar as minhas prioridades. Obrigada, Alter-Ego, pela lembrança.